sábado, 10 de dezembro de 2011

Tirésias


Não podiam se entender. Sentia que havia dentro dela uma solidão que ele nunca conseguiria tocar, por mais que ela quisesse deixá-lo. Ele, que sabia de tantas coisas, tinha as mãos grandes e curiosas demais para descobertas delicadas. Os dedos viviam buscando, tudo ao seu toque se tornava objeto de detalhadíssimas e pegajosas inspeções. Ouvia coisas ainda não-ditas, sabia que amanhã iria chover somente pelo cheiro que tinha o ar quando a noite atingia o seu mais escuro. Da mesma maneira, conseguia sentir o odor de qualquer descrença. Media a respiração dela, adivinhava quando se acendia qualquer centelha de dúvida. Antecipava-se a qualquer palavra, declarava com voz maleável:

“Mas é certo que te quero. Como é vermelha esta maçã, querida.”

Ele apalpava a fruta de maneira exagerada, as pontas dos dedos brancas com a intensidade da pressão. Ele conhecia, sobre a pele, a textura da cor vermelha. Ela, por sua vez, olhava a fruta com as feições de quem tenta resolver mistérios. Desviou os olhos e suspirou, vencida, a expressão agora inescrutável. Em momentos como esse, ele lhe tomava a mão entre as suas. Ele sabia que o tato sempre os salvava.

Ele, que sabia de tantas coisas. Como o fato de ela gostar tanto do outono pela abundância do amarelo. Para ela, essa era a verdadeira cor das árvores. Enquanto caminhavam, coletava com cuidado e sofreguidão o amarelo nas calçadas para conservá-lo entre páginas. Ele, divertido, sorria do gesto.

No verão, porém, ela não entendia aquela tonalidade acinzentada das árvores. Nunca viu um número verde dentro de um círculo vermelho. Nunca, na verdade, havia visto uma maçã.

Disso, ele não sabia.



---


Texto publicado na edição de 5º aniversário da revista Cachoeiro Cult.

Foto por Kami McKeon