segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Breve descrição para uma nova anatomia da ausência.



Mais que de carne, osso, veias, unhas, sexo
Sou feita de ausência
Ausência pontuda, calcária
Minha extensão toda negros espinhos rompendo a pele
Vindos dos debaixos da alma.
Não há calma, sempre taquicardia
Nunca é dia, ninguém se aproxima
Do breu, da noite que me tornei.
Me arrasto no movimento quase intangível de mil perninhas
Sobre o chão liso demais das faltas mais fundas.
Dentro da minha noite aguda todos dormem pra sempre
Mudam de posição, sofrem seus espasmos noturnos
Sonham descaradamente
Diante de meus olhos insones
Diante da minha fome
Da minha estranha arquitetura de agulhas escuras
Veneno, inflamação
Chamas, incêndio, sirenes
Enxame de abelhas, canteiro de obras
Escombros
Uma parede emassada ali
Muitos pregos. Um quadro guerniquesco
Mel escorrendo grosso pelo pé direito
Pelo lado de dentro.

Por fora só esse silêncio.




15 comentários:

Luiz Carlos Cardoso disse...

Depois de tantas fúrias emocionais que te acometem madrugada a dentro, um excremento-libertação é a poesia linda e masoquista que se extrai de você.

Combinou.

Beijos!

Roberta Malta disse...

Quantas coisas se passam no nosso interior, não é mesmo? Por fora, apenas o que é visível. Mas vem a poesia romper um pouco desse silêncio.
Parabéns Milena. Vc está cada dia melhor.

Pérola Anjos disse...

Nossos mundos são vastos: o de fora e o de dentro.

Gostei muito daqui!
Escreves linda e profundamente!

Beijos!

Marcelo Grillo disse...

Por fora, pode ser o fel.
Mas por dentro há de ser o mel a escorrer.
Doces poetas...
Bj

O insustentável peso de ser disse...

E eu não tenho nada a dizer depois de ler isso.

Talvez, por fora, seja só para externar o que não quero ser e o que não mais sou.

Ludmila Clio disse...

Milena... esse foi um dos mais-mais que li. Identificação de almas: lindo, lindo, lindo. Vc se supera a cada linha...

...até quando seremos movidas a silêncios, vontades, ausências e tormentos? Esse é infeliz ou felizmente um dado importante, grudado em nosso DNA... fazer oq??

Grite poesia, pra sempre!
Um beijo, linda!!
Saudade!
:*

Martinho disse...

Lindos os seus poemas na Graciano.

Flávio Borgneth disse...

É umas das coisas mais sozinhas que você já fez, que eu em lembre. Não tem companhia de praias, vasos coloridos, bordados de mesa... Nada de vida que se defende com flores. Você, sua carne, um pouco de mel. Acho que é um quarto que teu que eu não conhecia. Achei lindo e de mãos diferentes. Lembranças aos teus dedos novos.

Flávio Borgneth disse...

Dá vontade de abraçar o texto. Os outros me abraçavam. Acho que é isso, pelo menos um pouquinho. O ponto é que reli pra ter certeza, e tive. É como um Roberto Carlos que fala diferente sobre suas próprias pernas. Além do mais, sofrimento não é tristeza. E tristeza nem sempre é sofrimento. Parabéns pelos redemoinhos e um abraço!

Lívia Inácio disse...

Não poderia ser mais linda, essa descrição! =)

henrique disse...

poema tão lindo quanto forte.
um retrato de desesperança como nunca vi por aqui. Apesar de ter admirado o poema grandemente, rezo pra que desse Hades uma mão lhe seja estendida...
Beijos

M.Maria M. Coutinho disse...

Volte! eu passo dias aqui e só vejo na cadeira a ausência!
A palavra de verificação é celia, eu pensei em Celia, uma menina...faz um poema pra ela! rs

Márcio Jorge disse...

Quando poderei catar de novo o encantamento de sua poesia?
Espero que volte!

Beijos.

Adriana Alves disse...

Sua escrita é forte e linda. Parabéns.

uma quase Leonardo disse...

eu havia lido esse seu texto noutro momento
agora consegui de verdade lê-lo.

porque hoje ele tomou corpo no meu dia..
tem imagem de referência para relacionar com algo que me faça sentido
vazio, cheio, excessivo, turbulento, silencioso, cauteloso ou mesmo vivo...
mas senti.
mais uma vez, tuas palavras, em mim
intenso.