quinta-feira, 21 de junho de 2012

Etimologia




É com a extensão inteira da sua pele que eu quero que você aprenda as palavras, sentindo-as todas, como deve ser. Pego sua mão entre as minhas e lhe entrego a primeira. Escrevo na sua palma: borboleta - e a palavra lhe faz cócegas como se você deveras prendesse o bichinho na concha de suas mãos. Abra a mão e olhe com atenção: borboleta é palavra de pura descrição de voos vacilantes. Com o tempo lhe mostro como uma folha de outono ou pedaço de papel podem se chamar borboleta também. Por agora vou escrevendo chuva atrás da sua orelha. Você não pode ler porque quero somente que escute o barulho dela. Chuva começa com o barulho mesmo de água com vertigem, chiadeira de dígrafo que foi inventado exato para esses próprios ruídos: chuá, chaleira, cachoeira, choro. Imite comigo o barulho comprido dessas quedas d’água, o mesmo barulho de quando a gente pede silêncio com o indicador contra os lábios. Por isso as coisas da água vão bem com silêncio. Como o mar. O mar conversa conosco é quando há um tudo quieto em volta. Ele pulsa e se dilata feito coração, já viu? Coisa das marés e dos ventos. Por isso escrevo mar sobre seu peito. E lhe mostro como o erre se expande pela abertura desimpedida da boca, vai se espraiando horizontes sem fim. Coisa idêntica acontece com a palavra amor, ouça bem as infinitudes.

Por fim decido que quero suas pernas. Cubro sua pele branca com o nome das frutas que nascem de sementes acarinhadas pelas terras daqui. Vou dizendo pitanga, cacau, caju, cupuaçu, goiaba, maracujá, guaraná. Suas coxas se impregnando do cheiro de todas enquanto você repete os nomes. Mastigue as polpas, sorva todos os sucos. Conto-lhe duas coisas: a flor do maracujá só a mamangaba poliniza, único inseto desses ímpetos. E o guaraná dizem ter nascido dos olhos plantados de um curumim maué.

Depois silêncio. São as águas.