segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Ísis Maria



Eu sei que tem a Yolanda. Aliás, todo mundo sabe - aquela coisa de beldade da escola. Mas eu não gosto da Yolanda, não. Ela tem olho verde, e tem bem alguma coisa de traiçoeiro no verde daquele olho. Feito mar, verde-verdinho, mas mesmo assim não dá um nervoso de entrar nele e pisar num ouriço qualquer? Então. Mineiro, espero o ano inteiro pra ver o mar, mas quando ele se espalha naquela verdejice toda até onde a vista dá, me encolho e me benzo da cabeça ao calcanhar. Só aí entro. Eu hein. Besta é quem não respeita granditude assim.

Mas voltando à Yolanda, é isso que penso: olho que tem muita transparência de cor conta cada lorota de alma. Bonito eu não nego que é, não. Pois que é. Mas o que deve ter de ouriço debaixo daquele verde de Yolanda, nem sei, viu. Até porque, eita, metideza. Suspiros demais pruma pessoa só, chega a ventar quando ela passa. Ô. Tô jurando, rapaz!

E chega também dessa prosa que nem é dela que eu quero falar. Quero falar é de olho preto, que olho preto é que é mistério e chão firme ao mesmo tempo. Quer ver só, Ísis Maria tem olho preto. Preto mas tão preto que quando eu me perco neles, feito em dois buracos negros da galáxia de Andrômeda, é só ir logo pensando fixo que na verdade são duas jaboticabas maduras, coisinhas muito terrenas mesmo. Ísis Maria carrega todo dia, estampada na cor do seu olho, o breu todinho da alma, que é mesmo o que a alma é de verdade: fossa abissal - igual disse o professor de Geografia - de todos nós. Eu entendo alguma coisa ali de muito dela, mas só porque ela deixa. Ela não mente, feito Yolanda, mas com quem quer usa fácil o tal truque da jaboticaba.

Ah, eu gosto de Ísis Maria. O cabelo dela também é preto e grande e à mãe dela apetece fazer umas tranças tão bem trançadas que vêm ziguezagueando lá do alto da cabeça e eu fico só tentando acompanhar onde mecha entra e por onde sai. Faço isso na aula de Matemática. Ela nota, ralha, ô, menino abobalhado, prest'enção. É muito boa de cálculo, eu não.

"Cê aprende a fazer essa trança, Ísis Maria?"

"Mas por que?"

"Uai, bonito demais pras três filhas que a gente vai ter."

"Ê, menino besta mesmo, meu deus."

Vira de novo pra frente e sorri de lado sem eu ver, mas eu vejo. Suspiro por Ísis Maria, e é só um fiapo de brisa.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Re-pouso




Não sei não, mas ultimamente
Quando você me olha fundo e castanhamente
E quando me beija lento nos entrementes
De um abraço apertado
Dedos enlaçados
Carinho sussurrado,
Eu me inundo até as bordas de um algo
Que vivo lhe contando através de silêncios:
Um querer forte de ternuras
De você ser livre
Mas uma liberdade boa
Feito andar na praia sozinho
E sentir os ombros quentes de um sol ainda brando
Ainda amarelo-clarinho
Bocejando.
Um querer assim de você ser bom
De você exercer sempre essa gentileza
Que lhe existe aos montes, em tudo o que é tom
No de seu olho, de sua pele, de sua voz
E no branco do seu sorriso bonito.
O querer último
Declarado e infinito
É o meu bem-querer mesmo
De te querer tanto e sempre bem
Só pra prolongar essa gargalhada
Só pra você respirar maciozinho
Esses respiros bons da madrugada
Quando o sono é mais puro e pleno.

Porque você é feito passarinho
De asa crescida pro vento, o sereno
Que eu quero que voe alto, viva, ouse
Mas que depois pegue de novo o caminho de mim
E se achegue, mansinho, e descanse:
Re-pouse.


(02/12/08)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Poesia Musicada ("Aborto")

Foi então que ele tomou entre mãos ternas esse poema meu, o mais desiludido da vida. E o vestiu com sua música feito casaquinho bom de lã :)




Melodia de Flávio Marão.
Música apresentada durante o show do Balaio, na Casa da Memória.

Poesia aqui.