quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Sobre Nós

foto por Leandro Carmelini




É sempre a mesma história
Estampada nos rostos
Nas reentrâncias das mãos
Nas pintas dos corpos
E brotando pela aorta
Desde a invenção da roda


E da corda
(assim vai):


Num ponto escuro da corda
Entranhado no complexo de fibras
O hipocentro de um tremor
Atordoa lados opostos
Que de repente se aproximam
Se animam
Se enroscam
E seguem caminho
Pensando continuar cada um dele mesmo
Como sempre, sozinhos
Mas quem entende?
Se no âmago da corda
Ali, onde não se atina
Onde o início de uma ponta se dá
E a outra termina
Há algo explícito perturbando a calmaria
Da antes plana geografia:
Nós.
Mas é que a corda é comprida
Comprida de dar o dia
De atravessar noite, abraçar o mundo
Por isso esse desejo fundo
De tecer amarrinhas
Pra distrair um destino
Assim, tão retilínio
Tão certinho
sem sobressaltos.
Então, daqui até o último planalto
De uma à outra extremidade
São nós pra perder de vista
Nós que nos amamos
Furor no meio da reta
Cheirando a subversão
E nós que perdemos a graça
do apego, da comunhão
E somos somente aperto
Sem sossego, sem voz.


Pra esses últimos
Ainda resta o bálsamo
(mesmo que não venha veloz)
Da certeza universal
Provada e comprovada
Por aqueles que já viveram
Até a solidão mais atroz:
A de que pelo seu
E pelo meu bem
(é sempre a mesma história)
O tempo desata os nós.
O tempo desata-nos.