quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Dilema de uma Cor



O negócio, menino, é que eu sempre me achei morena, assim, do tipo brasileira nascida num dia de calor franco, num meio-dia de arroz e feijão e jarra de suco de manga dum almoço interrompido pra me verem nascer. Sempre me achei morena e brejeira feito as brasileiras mesmo são, e sempre fui menina de voltar dos janeiros com marcas de biquini: é que tenho pele que gosta de sol, e agradece dourada, responde cheia de um certo orgulho-jambo. Só que essa morenice que lhe cabe é um absurdo, viu, afronta enorme à palidez dessas caras comuns de inverno. Menino, que atrevimento, eu descobri que você é todo por igual feito de uma cor que – sei lá – se come ou se bebe com uma cara boa de provar sobremesa de domingo. Por que é que você não desbota em tempo desse, de chuva? Eu desboto. E sua cor abraçando a minha me virava inteira num tom de lua nova, você me brilhava no escuro acendendo em mim um milhão de pontinhos de luz. Sua morenice íntegra me fazia saber-me melhor e me fascinava em mistérios. Como no dia que dormi sobre seu peito e sonhei que seu torso na verdade era feito de terra, e que o que pulsava sob meus ouvidos não era coração, não, mas semente se preparando pra brotar. Acordei pensando sobre o que poderia nascer assim de dentro de você, no meio da madrugada. Pensei em pé de cacau, ou abiu, e tal.

Mas, meu deus, pois que agorinha mesmo chove tanto, e fico só e incolor, à mercê. De vez em quando acordo à noite e, alarmada, perco a visão de uma mão, ou pé, por uns três segundos. Minha cor anda em crise desde que soube sua ausência, de tão mal-acostumada que estava. Crise de identidade. Já prometi a ela o sol inteiro de janeiro, e que pare já de choramingar. Enquanto isso, espero que ela não me apronte e eu não suma. Ou que eu lhe encontre numa esquina prum abraçozinho de salvação. Não é por mim, você sabe. Ando bem, ando tão bem... É só pr’essa pobre cor fora do tom.

21 comentários:

the drama queen disse...

que liindo
adorei esse
entrou pra lista dos preferidos
=)

C. disse...

ô, moça =]
teu lugar que já é cheio de ternura por si só.
não sei quanto demora a colheita: por aqui o tempo anda seco e a paciência anda pouca.

volto aqui pra te ler direitinho. como é merecido.

xêro

Ludmila Clio disse...

Mi... que talento! Com palavrinhas docemente escolhidas a dedos arteriais... Parabéns!

Anônimo disse...

A semente já brotou ou a terra ainda emana aquele cheiro de vida surgindo? Ih, me deu vontade de escrever isso quando acabei de ler seu texto, rsrs...

A cor de suas letras não são de desbotar assim, fácil, fácil. Pelo contrário, já fazer parte da epiderme, nem adianta esfregar, rs...

Lindo, lindo!!

Bjos!

Anônimo disse...

Mas, ai, que isso até me entristece, de tanta brancura que tenho sobrando. Deu até aquela vontadezinha de incorporar o espírito torrada e ficar ao sol me amorenando até começarem a queimar as bordas.

Mas deixa isso pra lá, que palidez é bom pra demonstrar minha transparência em relação aos assuntos abordados (com o perdão da piadinha).

Parabéns, moça da tez bonita. ;]

Marcelo Grillo disse...

É exatamente isso que incomoda os homens: a não aceitação, por parte das mulheres, da sua genética. Há tez morena bonita, há o dourado também bonito, e há a brancura da Baratinha (transparência pura da alma, sem julgar o mérito físico). Também sou branco, facilmente queimável num dia de sol ardente, sem virar camarão. Milena reclama demais, de barriga cheia. E, parece, quer nos fazer morrer de inveja de sua cor. E quem disse que o ser humano deve ser de uma cor só? Quem nunca ficou roxo de raiva, ou branco de medo, ou azul de fome? Eu, por exemplo, agora estou verde de inveja desse (mais um) lindo texto da Milena, que, morena ou branca, é a queridinha de todos. Beijos, guria.

PS: a quem interessar possa, Milena está preparando um livro.

Renata Mofatti disse...

Sua cor tá muito "dilemosa" acho que inventei essa palavra rsrsrs... Tá bem resmungona, triste que só vendo! O chato é ter aquela brancura que amedronta, daquela de dar vergonha de mostrar as pernas e as pessoas acharem que são dois grandes pedaços de palmito!!! Isso sim é fora do tom! Sem dilema, menina Milena, em sua cor não há problema, não mude de tom, continue assim "meio morena" Bjs!

Unknown disse...

Cuidado pra não torrar a borboleta no sol tadinha!!
Bju do Marão;
gosto dos seu poemas;
e não de Walter Valadão;

Anônimo disse...

i'm in love with your words

C. disse...

voltei =]

bonito demais, demais...

"Como no dia que dormi sobre seu peito e sonhei que seu torso na verdade era feito de terra, e que o que pulsava sob meus ouvidos não era coração, não, mas semente se preparando pra brotar."
vixe! lindo.

não sei se já mesmo época de colheita ou foi um fruto que amadureceu antes o tempo, mas tá lá.

la fille au verre d´eau disse...

fiz outro
=)

Vinícius Linné disse...

Hoje eu seria azul.
Bem azul, tão azul quanto a tristeza.
E que comece um blues.

Anônimo disse...

Lindo, Mi!

Anônimo disse...

ô morena
mas você escreve bonito, hein?

beijo

henrique disse...

é, morena...
tatu do bem (:

Renata Mofatti disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Na moral! To rindo horrores aqui:

"Cuidado pra não torrar a borboleta no sol tadinha!!
Bju do Marão;
gosto dos seu poemas;
e não de Walter Valadão;"

Gente, essa foi ótima!!!

A minha boca é só dente aberto até a orelha!!!

Daniel. disse...

verão ta chegando..com seus dias longos, mini saias e marcas de biquini, quanto à morecince que não desbota...me pergunto se é só essa falta de cor que pede um abraço. vai saber..

Caetano disse...

sua cor tem cheiro bom. perfume colorido, desses que não encontra em qualquer floresta, sabe?

besitos,
muchacho

Unknown disse...

também partilho desse tom pérola de pele. sou feliz com ele. :)

Anônimo disse...

Como já dito, adoro seus poemas.. esse em especial, não sei se por também me encher de cor quando encontro numa esquina um amor.

RUTE disse...

Milena que jeito fantástico de falar da côr da pele.

Aos poucos vou conhecendo sua obra. E a cada texto admiro mais sua escrita. É cheia de sedução, de sentimento, de conotação...

Tuas palavras remetem-nos para inumeros sentidos, sugeridos, evocando ideias associadas. Suas palavras têm horizontes largos. Pequenos textos com grandes significados.

Esta prosa também entrou para a minha lista de favoritos.

Beijinho além-mar.