segunda-feira, 2 de junho de 2008

Recíproca da Borboleta Amarela




Pois então que eu acho mesmo que a gente nasce e passa por essa vida, seja em breve ou longa empreitada, por certos propósitos muito particularmente relevantes. Vejam-me vocês, eu que lhes falo agora, nascida de um galho de pé de carambola em época de frutos explodindo, polpudos e muito amarelos. Nasci prima dessas frutas, nasci com a mesma cor e mesma vontade de ser estrela. Mas ao invés daquela pose gloriosa de cinco quinas das carambolas enormes, assaltou-me a descoberta de que eu podia erguer-me acima da copa da grande árvore, aproximando-me ainda mais que minhas primas de nossos intuitos estelares.

A descoberta foi tão boa que minha vida agora tinha esse sentido: mancomunar-me com o vento vadio e sair voando por aí. Mas bicho que voa, não sei se lhes cabe saber, não fica bitolado em intuitos pequenos, não. E logo o vento boêmio começou a trazer notícias de terras longínquas, além de que à tardinha, nos fios das redondezas, amontoavam-se uns pardais cheios de história. Convenhamos que uma boa parte do que aqueles bichos despeitados piavam devia ser bem um bocado de invenções, eles que queriam me matar de inveja de seus vôos mais altos, mais distantes. Problema não havia. Por mais audacioso que lhes fosse o vôo, quem tinha a cor do sol nas asas, sem nem precisar chegar tão perto, era eu. Mas, desavenças à parte, começou a despontar em mim uma vontade pungente de lonjuras, e um dia acabei levando prosa mais longa com o vento e saí voando de um jeito que nem sei explicar, que não tinha contagem de tempo. Era acima o cortinado azul e abaixo aquele tapete verde, verde, verde, cinza... cinza? Estaquei dando baita susto no vento, fui descendo em espiral tremelicante, ansiosa feito o diabo.

Era uma selva de pedra, meu deus. Com umas centenas de sequóias de concreto e um formigueiro de gente, circulando em seu fluxo constante, massa homogênea de quereres pré-definidos. E é exatamente aqui que isso tudo que lhes disse vira pura conversa fiada, pois se cumpriu meu propósito particularmente relevante: mergulhei naquele mar de gente e rocei nos cabelos de um senhor, que, ao notar-me, aborreceu todas as outras pessoas, obrigadas a desviarem-se daquela pecinha subversiva atrapalhando o fluxo. Ah, mas que grande epifania aquela troca, e eu bailava no feixe invisível de seu olhar, encimado por sobrancelhas fartas, unidas, expressivas.

O que fazia ali, sozinho? De onde viera? Nada sei sobre pessoas, apenas que aquele exemplar estava muito meu, e que aqueles modos de me olhar me faziam muito dele. Senhor, diga a verdade pra mim, confessa que o senhor na verdade é todo assim feito de jatobá, alma de madeira nobre, porque só isso explica o meu desejo doido de me virar em pupa de novo, só pra me dependurar atrás da sua orelha e lá ficar. Ficar lá protegendo feito amuleto, pra sempre.

Mas acontece que pra sempre de borboleta é curto demais, e gente tem uma mania meio irritante de encontrar conhecido na rua e o despertar com trivialidades. Além disso, acho que todo mundo sabe que destino adora dramatizar o ato, e minha poeirinha final de vida se esvaía no meio de seu “tudo bem” devolvido.

Saiba que foi de propósito que subi até confundir-me com o sol. Naquele dia eu não cabia mais em mim, nem em palma de mão alguma: eu era estrela de quinta grandeza, e você me orbitava feito planeta errante buscando calor. Adeus, adeus, meu querido senhor.


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(Inspirado na crônica "A Borboleta Amarela", de Rubem. Texto premiado com uma viagem com acompanhante para Marataízes, hihi. Eba!)

12 comentários:

Kamila Zanetti disse...

nossa!
eu não consigo dizer outra coisa a não ser "foda!" rs.
merecido...

vamos nos ver! :)

Kamila Zanetti disse...

ah,e eu escrevi uma coisa inspirada nos seus poemas...

e isso Bukowski,tá me dando medo,ah quarta pessoa,e eu não conheço( pode me chamar de burra) rs.:)

Unknown disse...

meus pêsames a Bienal Rubem Braga por não ter vc entre os premiados. Aliás acho que vc é muito mais do que um simples "concursos de crônicas". Concurso não quer dizer nada, são meras avaliações pessoais envolvendo gostos bem particulares. Um bom exemplo já veio da nossa terra com o "bloco" de Sampaio que não ganhou aquele festival. Acedito que enviamos trabalhos pra esse tipo de concurso só pra participar, pois sabemos como é impossível se pontuar a arte. Se o Sérgio deixou o espírito dos malditos por aqui então vamos amaldiçoar mais e mais, criar a maldição da arte cachoeirense e impregnar tudo e todos por infinitas gerações! e viva a borboleta amarela!

Anônimo disse...

sorry, but I'm a genius...
(I swear I'll read it later :})

Paixão, M. disse...

Resposta ao Flávio:

Muito obrigada pelas palavras e pelo incentivo, sempre... :) Mas vou te contar um segredo: nem foi em busca de reconhecimento que me inscrevi nesse concurso. Foi só pra tentar levar um moreno muito bonito pra Fernando de Noronha, rs. Mas não foi dessa vez.

Arte se reconhece e se aprecia mesmo em níveis muito pessoais, e concordo com sua opinião sobre concursos e festivais.

Beijo pra você, que por sua vez me encanta mais e mais com sua arte, e que sejamos sempre amaldiçoados pelas bênçãos de Sampaio,

Amém.

Daniela Parajara disse...

"nasci com a mesma cor e mesma vontade de ser estrela..."
(por isso sempre te chamei de estrela mesmo)

coisas lindas de se ler,
moça bonita de se ver, estrela pode ser...branca ou amarela, o importante é que é ela,
que me fez sorrir nessa noite fria que congela...
(rs)

e nessa madrugada (3:25) quem me arranca um sorriso (com direito a covinha e tudo) é você estrela!
;*

Daniela Parajara disse...

engraçado é que apareceu pra verificação de palavras, no meu comentário anterior assim:
feelidis

só seria mais certo se tivesse:
feeling this

:P

Ale disse...

é por isso que eu digo que sou sua fã, Milena. Perfeito, perfeito!


beijos!

Vanessa. disse...

sabe quando a gente lê um texto e queria ter escrito ele?

exatamente isso. posso te dizer parabéns não só pelo texto, mas pelo sentimento com que foi escrito.

um beijo :)

Larissa Dardengo disse...

Coisa gostosa de se ler...

bjs

LELIO C A FRANCA disse...

pois é! bacana esse lance do movimento cultural né?

achei esse link por lá.

quando puder de uma conferida nos meus trabalhos.


ah, e parabéns pelo blog!

=)

beijo.

Renata Mofatti disse...

...E que os ventos boêmios continuem trazendo muitas inspirações e goles e mais goles de pura poesia!