quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Notícia




o fogo queimou trezentos barracos.
repórteres anunciam
que incandescências de papelão
levaram as caixas de leite
de Cristina das Dores.

alastramentos alaranjados
labaredas fagocitam, lambem, cospem nada de volta
deixam rastro preto de lesma ácida.
fios delgados de água,
fios delgados de lágrima,
gente se arvorando em milagres.

(câmeras sobem ruelas, alardeam
Beatriz mamando no seio anônimo
da mulher quem nem a conhece.
mas o choro de fome foi sem pedir licença
gotejar os peitos
como tal.
foi milagrear.)

há mais leite no mundo, Dores.
ouça: há.
há leite que brota de gentes
feito nascente, manancial
feito flores.
tem gentes brotadinhas de milagres
de tanto mundo que as perpassa.
dizem, quase tudo é chamas, Dores.
quase tudo passa.

(11/10/09)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

E a última flor persiste...




O poeta madrilenho Pedro Salinas bem definia a língua de um povo como “a fraternidade misteriosa que cria o feito de chamar desde crianças as mesmas coisas com os mesmos nomes”. Pois é exatamente esse sentimento que experimentamos com o documentário “Língua: Vidas em Português”, dirigido por Victor Lopes, um moçambicano com nacionalidade portuguesa e radicado no Brasil há trinta anos. Sua obra passeia pelo Brasil, Portugal, Índia, Moçambique, França e Japão, e enquanto vai captando o cotidiano de pessoas comuns inseridas em contextos sensivelmente díspares, tecendo uma colcha de retalhos cultural de um viço ímpar e incontáveis nuances, vemos onde tudo se afunila em um ponto comum: todos falam português. Vemos, ouvimos e nos inserimos na mesma enorme gama de mais de 200 milhões de pessoas pelo mundo que, em suas particularidades lexicais e diferenças de sotaque, compartilham da herança lingüística da “última flor do Lácio”.

O documentário de Lopes ainda conta com a participação de ilustres como José Saramago, Mia Couto, Martinho da Vila e João Ubaldo Ribeiro, que vão permeando o fluxo da narrativa com suas reflexões sobre a língua Portuguesa em diversos aspectos: a existência ou não de um Português padrão, se suas mudanças implicam em uma involução ou evolução, a necessidade do ser humano de fazer parte de alguma coisa, e como o idioma vem a se inserir nesse processo de pertencimento. Em meio a tudo isso, um vendedor de balas no Rio de Janeiro usa de seu discurso persuasivo dentro de um ônibus lotado, crianças em Moçambique repetem em coro as falas de uma professora que lhes conta sobre o amanhecer e dois jovens lisboeses comentam sobre a vida na capital portuguesa. O tempo todo o Português é matéria viva e personagem onipresente na proliferação de metalinguagens, simplicidades do cotidiano, crenças, aspirações, angústias.

Não há como passar incólume, depois de assistir a esse documentário, pela sensação muito real de que a língua é um organismo que respira, que se molda, que se reinventa a cada dia através de seus falantes – e os une, também, nessa enorme rede invisível e intercontinental com pareceres de fraternidade perene. Como o sol que sempre amanhã aparece outra vez, na voz das crianças moçambicanas.

Milena Paixão


LÍNGUA – VIDAS EM PORTUGUÊS
Brasil \ Portugal – 2003
Direção: Victor Lopes
Duração: 91 minutos



-----------

Esse artigo foi publicado na Folha do Espírito Santo em 24/09/09, por ocasião da exibição do documentário "Língua - Vidas em Português" no Cineclube Jece Valadão. Não é uma tipologia de texto com a qual estou acostumada, mas tenho um carinho especial por esse documentário e aceitei com prazer a empreitada de escrever um texto sobre ele, divulgando a sessão. Aproveito para parabenizar Gilson e Beto pela retomada das sessões de nosso cineclube e convidar a todos que estejam por aqui numa quinta à noite para comparecer ao Studio 27, às 20:30h, para curtir um filminho bom e um papo agradável.

Abraços!

domingo, 20 de setembro de 2009

II Verbo Intransitivo


Depois da primeira edição, no Centro Operário, vamos realizar nosso segundo encontro no Café Mourad's, com a música boa do Chuva Fina (grupo de músicos cachoeirenses que homenageiam Sérgio Sampaio) e microfone aberto para declamações, declarações e revelações ;)

Todos estão convidados, levem seus textos e pandeiros!

Abraços!

Milena

sábado, 19 de setembro de 2009

Rio Revisited



Para Amélia Barretto


Rio
De um janeiro longínquo
Rio de cristos, de vincos
Na minha existência
Vê se me explica
Se renda
Em todas as suas facetas
E estreite suas alamedas
Até o alcance da envergadura
De meus braços abertos
Que é pra eu sentir a superfície dura
Desses seus segredos.
Deixe-me ir andando e sentindo
Com atenção de ponta de dedos
De um lado o chapisco
A fuligem, o risco
Do outro as curvas das morenas
Dos arcos da Lapa, o riso
A Urca, o mar de Ipanema
E todas as coisas que se tocam:
A bossa, o samba, os corpos
Com suas bocas e falos
Ventando seus mistérios, seu som
Seu tom - Antônio Carlos.
Rio, é sério:
Você, que é tão grande que não coube
Em só uma canção
Foi se alojando, santo e ébrio
Sem sobras e sem cerimônia
Nas minhas horas
Memórias
Meus foras
E meu coração.

domingo, 23 de agosto de 2009

Noite de Festa








Na noite de 21 de agosto soprava um vento frio que não aplacou de forma alguma o calor humano e a alegria que tomou conta do espaço cultural do Yázigi, aqui em Cachoeiro. Contando com a participação de amigos maravilhosos, artistas de primeira linha, fizemos uma festa linda para lançar o Catar-se e, acima de tudo, celebrar a cultura de nossa cidade, que vem florescendo de um jeito que não víamos há tempos por aqui.

















A mim só resta agradecer a todos os presentes - à família de sangue e à família de amigos que estiveram todos lá ao meu lado. Aliás, nunca vi um lugar com tanta gente boa junta! Não teria sido a lindeza de evento que foi se não fosse pelas mãos cheias de zelo de todos vocês.

Por hora, os livros estão comigo e com o Marcelo Grillo, da editora Cachoeiro Cult. Logo deixaremos exemplares em livrarias e outros pontos de venda. Mas para quem quiser adiquiri-los, é só entrar em contato comigo (mizunda@hotmail.com) ou com o Marcelo (marcelloprf@hotmail.com) , que enviaremos os exemplares, com dedicatória.

Ah, e essas fotos foram tiradas pela talentosíssima Natássya Carvalho :)

Abraços, amigos!



terça-feira, 11 de agosto de 2009

Felina


Nasci em agosto
E vim leonina nos cabelos revoltos
Nas rimas que me arrematam
Uma no meio, outra no fim.
Posso dizer que nasci assim:
Unhas que crescem muito depressa
Olhos que enxergam de longe por mim
E cheguei na remessa
De sonhos tenros de um rapaz e uma moça
Casa, varanda, filhos, roupas
Quaradas e estendidas no varal.
Nasci com uma pinta na coxa
Cresci com poucas palavras na boca
Etecétera
E tal.

Nasci em agosto
Com as sete vidas que me cabem
E aceito o fardo de bom grado.
Porque nasci em agosto
Mas se precisar nascer de novo
Eu nasço.

domingo, 2 de agosto de 2009

Catar-se

Era um dia de meus cinco anos e eu era toda felicidade: percebi que podia enrolar a terceira perninha do meu M num caracol de vertigem, uma boniteza sem fim. Enrolava bem fininho até onde minha coordenação de criança pequena dava, mordendo a língua de lado com o esforço bom. Desse dia em diante nunca mais larguei do lápis. Desse dia em diante o tempo passou tanto que eu descobri um monte de coisas, virei gente adulta, consegui emprego, altura, amores. Mas ainda com o lápis na mão e aquela mesma felicidade, venho convidar aos meus amigos, todos vocês, para esse momento muito especial de minha vida: o lançamento do meu livrinho de poesia.




Os agradecimentos são muitos, e todos a quem os devo sabem bem do papel importantíssimo que tiveram nessa realização. Então deixo os beijos e abraços pra hora propícia, e fica aqui meu convite e meu sorriso.